terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

In Loving Memory

É um Sábado à tarde.
Estou sentada num muro a olhar para uma parede cinzenta como se esperasse que de repente acontecesse algo de extraordinário. As nuvens cinzentas no céu e o vento gélido que sopra sem pudor anunciam a aproximação de uma tempestade. Os pés balançam compassadamente como se quisessem tocar na relva verde e húmida e os olhos fixam-se nas corajosas aranhas que trepam instintivamente a parede numa luta pela sobrevivência. Fogem sem saber o porquê daquela fuga, sem saber o que aí se aproxima, sem saber o que lhes poderá acontecer depois. Fogem porque foram programadas para fugir assim que o perigo se aproxima. Não fogem por medo como os homens, não se acobardam dentro de um buraco à espera que o perigo passe enquanto outros se sacrificam por eles, só fogem porque nunca lhes deram a possibilidade de escolher. A vida é assim, viver para não morrer. De repente apetece-me ser uma aranha. Deixaria de ligar aos problemas estúpidos que o Homem inventa só para se manter ocupado a pensar numa solução para algo que ele próprio sabe que não tem remédio possível. Passaria a ter um só objectivo: viver para não morrer. Deixaria de ter medo de enfrentar os fantasmas do passado, deixaria de recear as escolhas que diariamente tenho de fazer, deixaria de andar atrás de algo inalcançável como a felicidade e passaria o resto do meu tempo atrás daquilo que me poderá manter viva. Porque é assim eu estou agora, presa à vida por batimentos de algo que congelou emocionalmente. Mas ao contrário das aranhas, eu continuo a padecer dos males que foram lançados no mundo, a poder sofrer, a ter medos, a ter a liberdade e a capacidade de pensar que subitamente se estão a tornar em algo comprometedor à calma necessária para o bem-estar mental de um ser.
“Feliz? Mas quem é que é feliz? E quem é que quer ser feliz? A felicidade é a coisa mais irritante do mundo, uma utopia idiota e hipócrita, inventada por um cretino qualquer. A felicidade é uma coisa insuportável, um mito incómodo que só serve para nos fazer sentir ainda mais infelizes.”
Se ao menos fosse possível meter tudo isto de novo dentro da caixa de Pandora, tudo mudaria. O mundo tornar-se-ia num local pacífico, e eu poderia voltar a sorrir sempre que acordava, sem medo de ser possuída pelo fantasma que vive agora na minha alma, sem receio de ficar com as pernas entorpecidas quando me pedem para enfrentar os meus medos. Voltaria a ter vontade para tudo, deixaria de ser alérgica ao amor e viveria por alguém, alguém que me pudesse dar aquilo que eu quero, pois eu não quero ser feliz, só quero ter alguém de quem goste e que goste de mim. Isso basta-me.
Subitamente saio do transe que me fez evadir em pensamentos e dogmas sobre as injustiças da nossa existência e volto a fixar o olhar na pequena aranha que acabou de cair da parede. Tanto trabalho para tentar atingir o buraco onde se iria refugiar até ao mau tempo passar e quando estava quase lá, caí ficando meia atordoada no chão. Mas ela é uma aranha, não se deixa ficar com uma simples queda, não foi feita para esperar pela morte de braços cruzados por isso rapidamente se recompõe e volta a escalar a parede como se nada tivesse acontecido. Secalhar é por isso que eu nunca poderei ser uma aranha. Se algo me corre mal eu volto as costas e espero que uma onda de sorte faça com que tudo mude. Falta-me, talvez, o instinto de sobrevivência que a arrogância da liberdade do Homem não deixa possuir.
As primeiras gotas de chuva caem timidamente sobre no meu rosto. A tempestade começou. Olho para a aranha e vejo-a trepar a parede desesperadamente tentando chegar ao buraco antes que seja tarde demais. Quem me dera poder ajudá-la, mas algo me diz que não devo tentar mudar aquilo que está destinado a acontecer. Desço o muro e pego no pequeno ramo de flores campestres acabadas de colher e dirijo-me para a berma da estrada. Olho para os carros e uma súbita raiva cresce dentro de mim. Foi por causa desta arrogância do ser humano que eu te perdi, mas não partiste logo. O teu instinto de sobrevivência ainda te deixou ficar o tempo necessário para te despedires. Quando chegou à altura partiste. Já sabias o que te esperava e o teu instinto dizia que tinhas de ficar longe nestes teus últimos dias, pois não há pior dor do que a dor da perda de alguém.
A chuva começa a cair fortemente, mas estou paralisada no meio das tuas recordações. Sento-me no passeio e deposito as flores na berma da estrada onde viste o fim da tua vida chegar. Depois, escondo a cabeça entre os braços e choro muito, com muitas saudades tuas.

In Loving Memory,


By, Sara Santos.

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