sábado, 9 de janeiro de 2010

Multidões. Os encontrões, a marcha lenta, o desespero para chegar rapidamente ao destino pretendido fazem-te suar e resmungar entre dentes. Caras mal-humoradas, com profundas olheiras do acumular de noites mal dormidas. Problemas, montes de problemas reflectidos em cada olhar que te fixa numa tentativa de fechar a mente para o seu mundo ao qual fazem frente todos os dias e pelo qual lutam para que as trevas não o possuam de uma vez por todas. Egos rebaixados, auto-confiança destruída, cabeças baixas que fogem da vergonha e da censura da sociedade em que vivemos.
Caminho sobre as pedras da calçada, sobre a multiplicidade de pedrinhas irregulares pretas e brancas, contando cada passo com vontade que seja o último. Submersa no interior da minha mente deixando-me levar para as profundezas do coração penso com veemência naquilo que me leva todos os dias o pensamento para longe, muito longe das coisas boas que nos rodeiam. Quem nasce com azar, viverá e morrerá com azar, adquire o dom de atrair todos os problemas e é sempre o culpado por tudo de mal que acontece. Têm tudo para serem brilhantes, grandiosos, memoráveis, mas o surto de azar a que estão premeditados nunca lhes permitirá serem aquilo que poderiam verdadeiramente vir a ser. Acomodados ao seu destino vivem numa permanente bolha de tristeza. Estão rodeados pela felicidade dos outros e servem-se dela para se sentirem vivos. Põem tudo aquilo que são no mínimo que fazem só para agradar àqueles que mais amam, são bons conselheiros, bons amigos e dão tudo em prole dos outros. Todos os dias são confrontados com erros passados sujeitando-se a humilhações constantes e sentindo-se cada vez mais desiludida com aqueles a quem chamava amigos. É preciso uma pessoa para cometer uma asneira, mas são precisas muitas pessoas para cometer uma asneira das grandes. A personalidade das pessoas é demonstrada em cada atitude, em cada gesto, em cada acção, por isso antes de se falar do carácter dos outros deve-se olhar para si mesmo e reflectir profundamente. Certamente veriam que não são tão grandiosos nem tão perfeitos como pensam, até talvez teriam tanto nojo da sua personalidade que nunca mais pensariam em criticar o que quer que seja.
Pequenas acções podem causar grandes tristezas.
Tudo à minha volta me faz suspirar e acaba por me tornar na super-mulher que tento todos os dias ser. Não vivo de egoísmos, talvez seja altruísta porque a felicidade dos outros acaba por ser a fonte da minha felicidade também. Não tenho escolha, e assim ao menos luto por algo que traz a felicidade não a uma, mas a muitas pessoas.
Hoje sinto-me como uma super-mulher com o fato rasgado. Era essa capa superficial que me tornava capaz de mudar as coisas e trazer de volta a alegria e a esperança onde ela se está a desmoronar, mas hoje não fui capaz disso. Não sei até que ponto esta incapacidade me pode fazer desesperar. Todavia procuro o equilíbrio e a calma para organizar a mente e procurar uma solução para estes problemas. Custa-me mas vou ter de aprender a viver com isto, ao menos sinto que continuo viva, sei que o bater do meu coração não és tu com o martelo a tentar despedaça-lo, mas sim um pulsar de amor e conforto que me habituei a dar devido às inevitabilidades da vida.
Habituei-me à tua ausência, sei que nunca te perdi porque na realidade nunca te cheguei a ter, mas uma espécie de ilusão típica das mulheres fragilizadas fez-me acreditar que alguma vez pudesses ser meu, o teu silêncio tornou-se na sombra que me acompanha todos os dias e ao qual tive que me habituar. Agora só me resta o desejo de poder libertar-me de ti de uma vez por todas.
Os olhos são o espelho da alma, espelhos brilhantes incapazes de ficarem embaciados, são eles que reflectem o sentimento mais profundamente oculto e acreditem ou não nunca nos mentem. Por vezes deixam escapar o que não conseguem aguentar, porque um coração despedaçado facilmente deixa sair todo o amor que lhe foi dado.
Se calhar já não te lembras de mim, esqueceste-te do meu nome, do meu toque, do meu sorriso, da minha voz … esqueceste-te de mim porque não te convinha lembrares-te de que antes de ser a mulher que dizias “amar” eu fui a pessoa que mais te apoiou quando mais precisaste, fui a amiga sempre presente, leal e honesta que te ajudou sem alguma vez te pedir algo em troca. Talvez tenha sido a cobardia que estragou tudo, e depois do fim só te restava esquecer que apesar de tudo acabaste por fazer aos outros aquilo que nunca quererias que te fizessem a ti. Não sei até que ponto o amor de uma mulher pode ser diferente do dos homens, só sei que a partir do momento em que se prendem a ele nunca mais o conseguem largar. Ficamos agarradas àquelas memórias que nos fazem sentir que já fomos amadas um dia, por mais mentira que esse amor tenha sido. Já não consigo sentir como dantes o toque dos teus lábios, só me lembro do frio do primeiro beijo que me fez arrepiar como me fazias com o teu olhar penetrante mas ao mesmo tempo tão encantador e abandonado.
Tenho que parar com este vício de te ir buscar à secção dos reservados, porque tu agora não passas de um livro de recordações que me proibiram de ler mas que todas as noites me faz quebrar uma série de regras só para poder adormecer com a tua imagem nos meus braços, como eu sempre sonhei ter.
Agora, a cada lembrança inesquecível tua aumentam as lágrimas de sangue que me escorrem pela face, cruzam-se no fio de mágoa que é o tinteiro, a folha e a pena das palavras que nunca te direi.

sahara santos